Liberdade: o capricho de adolescentes

Muitos dizem querer liberdade…
Mas, no fundo, o que querem é escapar.

Escapar das expectativas.
Escapar das responsabilidades.
Escapar de si mesmos.

Mas essa fuga não é liberdade.
É só um eco da adolescência.

Porque enquanto a liberdade é o grito de quem quer fugir das regras…
A autonomia é o silêncio maduro de quem já entendeu que precisa criar as suas.

E se você sente que algo está faltando…
Talvez não seja mais espaço.

Talvez seja um espaço que seja teu.

Nesse episódio, eu quero te mostrar que talvez o que você sempre chamou de liberdade…
era só um disfarce.

O que você realmente deseja, é autonomia.

Intro

Liberdade muitas vezes é pensada como ausência de restrições, “posso fazer o que eu quiser”. Mas essa ausência costuma ser ilusória, ou até paralisante. Sem limites, sem direção. Um mar aberto sem vela, sem leme.

Autonomia, por outro lado, é a capacidade de se autogovernar. Significa que você define os limites, os compromissos, os ritmos. E, talvez mais importante, significa que você aguenta o tranco das escolhas que faz. Autonomia implica responsabilidade. É não apenas escolher o caminho, mas ser capaz de sustentá-lo.

A criança quer liberdade para brincar, o adolescente para se conhecer.
O adulto quer autonomia para criar.

Muitos gritam por liberdade, mas continuam escravos de expectativas, algoritmos, agendas alheias. Autonomia, por outro lado, exige consciência, clareza e estrutura.

Você não quer mais espaço.
Quer um espaço que seja seu.
Modelado por dentro, não herdado de fora.

E agora eu te pergunto…

Será que você está disposto a abrir mão da liberdade genérica para conquistar a autonomia verdadeira?

Se você disse sim parabéns, pq sinceramente isso é isso… isso é muito raro.

E não vou negar que também é perigoso. Porque quem é autônomo não pode mais culpar ninguém.

Mas também, quem é autônomo…
…é imparável.

Porque quando você entende que tudo é sua responsabilidade… você ganha poder sobre tudo.

Nos venderam liberdade como se fosse o ápice da evolução. Mas ninguém avisou que liberdade demais vira vazio.

Quando tudo é possível, nada é concreto. Quando tudo é permitido, nada tem peso.

A liberdade como ausência de restrições, é libertinagem, um anseio adolescente.

Um anseio que leva a um paradoxo que adoece: paradoxo: quanto mais livre, mais ansioso. Quanto mais opções, mais confusão.

Mas Alan você já disse que liberdade era um dos seus principais valores não?

Sim, eu já disse isso no passado.

Então o que aconteceu?

Eu amadureci, eu dizia que a melhor liberdade era aquela com limites auto impostos, acontece que isso tem um nome: autonomia.

Autonomia é liberdade com coluna vertebral.
Autonomia é a liberdade madura e alinhada.

É a liberdade que passou por dor, por renúncia, por consciência.

Autonomia exige estrutura interna: valores, critérios, clareza sobre si.

Ser autônomo tem um preço.

Um preço que muita gente não tá disposta a pagar.

Porque exige dizer ‘não’ pra caminhos fáceis.

Exige abrir mão da aprovação alheia.

Exige bancar as próprias decisões, e segurar o rojão quando der errado.

Como eu já diss, autonomia é estrutura interna.

É ter princípios, não apenas vontades.

É acordar todo dia sabendo que, se não fizer por você, ninguém vai fazer.

Um Exemplo é um artista autônomo não precisa que digam o que pintar — ele já decidiu o que precisa ser dito.

Um empreendedor autônomo não precisa copiar o funil da moda ou seguir a fórmula do momento.
Ele entende o problema que quer resolver, conhece profundamente quem serve — e por isso cria sistemas únicos que funcionam pra ele.

Um escritor autônomo não escreve o que vai gerar mais likes, ele escreve o que precisa ser dito. Mesmo que incomode. Mesmo que não viralize.

O criador livre posta todo dia porque sente que precisa. O autônomo só posta quando tem algo alinhado com o que acredita.
Um busca atenção. O outro, expressão.

No trabalho, o livre troca de projeto a cada semana buscando empolgação.
O autônomo aprofunda. Ele cria raízes.
Ele não precisa de brilho constante, ele constrói legado.

O adolescente quer liberdade pra sair sem dar explicação.
O adulto autônomo faz escolhas com consciência, mesmo quando não são as mais prazerosas.
Porque sabe que liberdade sem direção vira fuga.

Só que a sociedade não quer que você seja autônomo.

Eles querem que você continua um adolescente, pois assim você ainda precisa de um pai, ainda precisa de um salvador.

Liberdade eles até te dão. Autonomia, nunca. Porque quem é autônomo não precisa de mestre, de chefe, de salvador.

Autonomia ameaça sistemas de controle, políticos, religiosos, corporativos.

Por isso, a liberdade que nos oferecem é superficial, performática.

Exemplo: redes sociais te dão ‘liberdade de expressão’, mas te viciam em aprovação.

Quando falamos sobre religião: Você pode escolher qual igreja frequentar. Mas não pode questionar o dogma.
Liberdade de culto, sim. Autonomia espiritual, não.
Porque autonomia espiritual significa ter contato direto com o sagrado, sem intermediários.

Na educação: Você pode escolher a faculdade, o curso, o turno.
Mas não pode escolher o que realmente importa: o que aprender, como aprender, por que aprender.
A educação te oferece liberdade de escolha… mas exige obediência intelectual.

Se você decidir criar conteúdo:
Você pode falar o que quiser no seu canal… desde que o algoritmo aprove.
Liberdade de publicar? Sim.
Autonomia criativa? Só se você estiver disposto a ser irrelevante nos números,e fiel a si nos valores.

E se isso tá incomodando que bom.

Kant distingue claramente entre liberdade como “fazer o que quiser” (heteronomia) e a liberdade racional, que é autocontrole baseado em princípios universais, em outras palavras, autonomia.

Tem uma frase que gosto muito dele que diz o seguinte:

“A liberdade não é a ausência de leis, mas agir de acordo com uma lei que você mesmo se dá.”

Já segundo Viktor Frankl, já outro pensador que eu gosto muito, diz que a Liberdade sem responsabilidade vira vazio. E autonomia surge do compromisso com um propósito.

Em uma sociedade que oferece liberdade superficial e artificial, para conquistar autonomia você vai ter que usar muito.

Autonomia não se ganha, se constrói. Tijolo por tijolo. Escolha por escolha, renuncia por renuncia.

Autonomia é escolher suas regras, e depois sustentá-las.

É olhar pra sua vida e saber: tudo aqui fui eu que construí. E se der errado… a culpa também é minha.

A verdade é que o mundo te permite ser livre… desde que você continue dependente.

Mas autônomo? Aí não.

Liberdade é poder.
Autonomia é domínio.

A diferença é sutil, mas brutal.

Porque o autônomo não só faz o que quer.

Ele sabe por que quer.

Ele sabe o custo de cada escolha.

E ele sustenta as consequências.

Com o tempo eu entendi não quero fazer tudo. Quero fazer o que importa.

Não quero infinitas opções. Quero consciência das poucas que moldam meu destino.

Por isso cheguei a conclusão que liberdade é anseio de adolescentes.
Gritam por liberdade os que ainda não entenderam o que fazer com ela.


A Produtização da Individualidade e Adolescência

Se tem uma coisa que eu aprendi com meu amigo Steven Phill durante nossas longas conversas é que a adolescência como conhecemos hoje é uma invenção bem recente. Um experimento social meticulosamente projetado e implementado.

Pensa comigo: ao longo de quase toda a história humana, você era criança até aproximadamente 12-14 anos, e depois… você trabalhava, se casava, contribuía para a comunidade. Acabou. Não existia essa terra de ninguém chamada “adolescência”.

Eu lembro de estar sentado com Phill em uma padoca em uma madrugada em SP quando ele me falou sobre tudo isso, e eu como bom curioso, fui atrás do assunto e encontrei um livro de 1904 chamado “Adolescence” de G. Stanley Hall. Foi esse psicólogo que essencialmente inventou o conceito moderno de adolescência, classificando-a como uma fase “turbulenta” e “problemática” que precisava ser gerenciada.

Conveniente, não é? Porque antes disso, nas sociedades pré-industriais, as crianças simplesmente se tornavam aprendizes por volta dos 7 anos. Aos 14, um jovem já dominava grande parte de um ofício. Aos 17, muitos já eram pais de família com responsabilidades reais.

Phill me contou que na Roma Antiga, um menino de 14 anos podia se tornar soldado. Na Idade Média, jovens de 16 anos supervisionavam propriedades e negócios. Mozart compôs suas primeiras sinfonias aos 8 anos. Mary Shelley escreveu Frankenstein aos 18.

Então, o que aconteceu?

A Revolução Industrial começou a mudar tudo isso. As fábricas precisavam de trabalhadores obedientes, não de artesãos independentes. E conforme as máquinas ficavam mais complexas, precisavam de operadores com mais educação formal.

Foi quando o sistema educacional começou a ser padronizado e estendido. Primeiro até os 14 anos, depois 16, depois 18. Uma forma conveniente de manter os jovens fora do mercado de trabalho durante crises econômicas, como me explicou Phill.

Mas o verdadeiro ponto de virada veio depois da Segunda Guerra Mundial. A combinação de prosperidade econômica nos EUA, baby boom e expansão dos subúrbios criou o cenário perfeito.

Foi como uma tempestade perfeita. De repente, as famílias tinham dinheiro. Os jovens tinham tempo livre. E as corporações perceberam: ‘Espera aí, temos um grupo demográfico inteiro praticamente intocado’. E as empresas perceberam que podiam ganhar muito dinheiro com isso.

Em 1944, a revista “Seventeen” foi lançada especificamente para esse mercado. Em 1945, o termo “teenager” apareceu pela primeira vez em uma revista. Em 1954, o rock’n’roll explodiu, fornecendo a trilha sonora para essa nova identidade.

Ou seja, aquilo que conhecemos como adolescentes, não existe nem há 100 anos.
A fase adolescente não é uma fase biológica, ela é uma condição social e, mais importante, uma identidade de consumo.

Surgiu então a primeira geração com poder de compra significativo que não era nem criança nem adulta. E as empresas perceberam o

E por que isso aconteceu? Não foi por acaso, não.

Como o Steven sabiamente me disse com seu vocabulário de sociologo: “Alan, a adolescência foi institucionalizada não como uma fase natural, mas como um limbo social economicamente lucrativo.”

E antes que você pense que Steven é um socialista com camiseta do Che Guevara, saiba que ele é na verdade um empresário e cineasta, acontece que ele tem um pouco mais de repertório e eu gosto de me conectar com pessoas que tenham visões de mundo diferentes das minhas, afinal é assim que eu expando as minhas.

E mais, isso faz total sentido, basta ler os livros, basta analisar os dados. O mercado e o Estado precisavam de consumidores facilmente influenciáveis e um reservatório de mão-de-obra em espera. A verdade é que eles transformaram uma fase transitória em uma identidade permanente. E depois venderam essa identidade de volta para nós

O resultado? O desaparecimento dos ritos de passagem claros. Nas sociedades tradicionais, você sabia exatamente quando se tornava adulto. Havia cerimônias, rituais, expectativas claras.

Hoje? Ninguém sabe ao certo. É quando você pode beber? Dirigir? Votar? Se alistar? Pagar impostos? Cada um desses marcos acontece em idades diferentes, criando uma zona cinzenta que pode durar décadas.

Você já notou como essa fase da vida, que antes durava alguns anos, hoje parece se estender infinitamente? Nos anos 50, você era jovem até os 18. Hoje? A gente escuta sobre “adultescência” que se estende até os 30 e tantos anos.

E sabe por quê? Porque um adolescente eterno é o consumidor perfeito.

Lembro de uma caminhada que fiz com Phill quando ele apontou para um outdoor e disse: “Está vendo isso? Eles vendem liberdade e autenticidade em pacotes padronizados.”

Essa frase ficou martelando na minha cabeça por semanas.

A verdade é que todo aquele papo de “seja único, seja você mesmo, seja livre” vem com um asterisco gigante que ninguém te mostra: desde que você compre estas roupas, ouça esta música, use este aplicativo.

Essa suposta liberdade adolescente que nos vendem é meticulosamente projetada pra nunca satisfazer completamente. Ela te mantém sempre buscando, sempre consumindo.

E o mais irônico? Até a rebeldia foi transformada em produto.

Aquela camiseta do Che Guevara produzida em uma fábrica com condições de trabalho questionáveis? Aquele adesivo “Fora Sistema” colado no seu MacBook? Pensa em quem realmente está ganhando com isso.

A verdade é que o sistema é tão sofisticado que conseguiu transformar até a revolta contra ele em uma fonte de lucro.

E não é só sobre produtos. É sobre identidade.

A linguagem já mudou completamente. Não somos mais cidadãos, somos consumidores. Não somos mais pessoas, somos públicos-alvo ou usuários.

Essa transformação linguística não é inocente.
Ela reflete uma mudança profunda na forma como nos vemos e como vemos uns aos outros.

E enquanto você está ocupado “descobrindo quem você é” através de testes de personalidade online e comprando produtos para expressar seu “verdadeiro eu”, os verdadeiros detentores de poder estão construindo autonomia através de propriedade, capital e influência.

Quando transformamos todas as fases da vida em produtos, nós roubamos delas seu significado autêntico. A velhice deixa de ser uma fase de sabedoria e respeito para se tornar apenas mais um problema a ser ‘gerenciado’ com produtos anti-envelhecimento e entretenimento infantilizado.

E o mais perturbador?
Essa infantilização serve perfeitamente ao sistema. Pessoas infantilizadas são mais fáceis de controlar, mais propensas a consumir impulsivamente, menos capazes de pensar criticamente ou planejar a longo prazo.

Como Phill resumiu em nosso último encontro: “A adolescência estendida não é um acidente cultural. É um modelo de negócios.”

E quando você entende isso, realmente entende, começa a ver o mundo de outra forma. Você percebe que a verdadeira rebeldia não está em consumir os produtos “rebeldes” que o sistema te vende, mas em recusar o papel infantil que ele te atribui.

A autonomia, como eu mencionei antes, não é sobre fazer o que você quer. É sobre criar suas próprias estruturas, seus próprios valores, seus próprios ritos de passagem para uma vida adulta significativa.

Porque no final, ninguém vai te dar sua [adultez].
Você precisa reivindicá-la.


O livre quer prazer imediato.
O autônomo quer sentido duradouro.

O livre vive pela dopamina: novidade, estímulo, aplauso.
O autônomo vive pela serotonina: estabilidade interna, propósito, legado.
Um vive de fora pra dentro. O outro, de dentro pra fora.

– Liberdade te dá picos.
– Autonomia te dá uma linha crescente menos excitante, mas muito mais potente.

E tá tudo bem, por que não sou mais um adolescente…

E é por isso que hoje, eu não quero mais liberdade.

Eu quero autonomia.

E posso ser sincero?
Talvez ninguém seja verdadeiramente autônomo. Talvez a gente apenas pratique a autonomia, como um músculo.

Você pode ser autônomo numa área e dependente emocionalmente em outra.
A autonomia se reconquista todos os dias ou se perde.
A vigilância é constante. Um vício, uma crença, uma carência… e pronto: liberdade de novo, no lugar da autonomia.

E assim você entra em um ciclo vicioso de auto sabotagem, mas quebrar esse ciclo é papo para outro episódio.

Aqui eu só queria plantar uma sementinha, a que talves hoje você esteja buscando mais liberdade.

Mas o que você realmente quer… é autonomia.

Quer dormir em paz sabendo que você está no comando.

Quer olhar pro teu trabalho, pros teus relacionamentos, pro teu dia…

…e dizer: isso aqui tem a minha assinatura.

Não foi imposto. Não foi herdado. Foi criado. Por mim. Pra mim.

Neste episódio eu espero ter te provocado a sair da busca por liberdade e entrar na construção consciente da tua autonomia.

Porque quem é livre… pode até voar.
Mas quem é autônomo… constrói o próprio céu.

Até o próximo episódio…

Escrito por,

Alan Nicolas

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